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Arte & manhas | Breves considerações sobre as aparições

Por: Luís Bogo
24/03/2023 15:21
A sedutora Jessica encantando o coelho Roger Rabbit, em filme premiadíssimo de 1988 A sedutora Jessica encantando o coelho Roger Rabbit, em filme premiadíssimo de 1988

Yo no creo em brujas, pero que las hay, las hay. Traduzindo, eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem. Parece-me que o ditado espanhol tenha tido origem em Dom Quixote de La Mancha, obra de Cervantes publicada há mais de 400 anos, e teria sido pronunciada pela primeira vez pelo escudeiro Sancho Pança que, se tivesse mais juízo não estaria acompanhando seu patrão fidalgo e louco na aventura em que se empenhou para conquistar a mulher amada que, na verdade, era apenas fruto de sua imaginação.

Assim como Sancho Pança, também não acredito na existência de bruxas, feiticeiras ou feiticeiros, mas tenho temor e respeito por aqueles seres das sombras que à luz do dia são tão alvos quanto os mais alvos cordeiros, e até sorriem simpáticos, vez por outra, para nos convencer.

Mas, não quero agora usar seu tempo e paciência para relembrar desventuras acontecidas há tanto tempo, quando moinhos de vento se transformavam em dragões. Prefiro, então, falar das luminosas aparições que nos surgem inofensivas entre um e outro piscar de olhos ou mesmo em sonhos, quando os olhos não piscam, mas se movimentam.

São estas aparições que transcendem presenças que fazem imagens de passado, presente e futuro se encontrarem e se misturarem em um só lugar: imagens repentinamente resgatadas da memória ou capturadas de premonições que acabam por se revelar em palavras, versos, tercetos ou sonetos.

São aparições luminosas que às vezes se disfarçam em sombras, mesmo porque nem tudo que é escuro é ruim e as sombras também têm sua magia. Estas aparições que surpreendem o pensamento transcendem as presenças, por isso é que os bons poetas têm sempre suas cabeças rodeadas por auréolas de versos inacabados, como se o cérebro criador fosse um núcleo gasoso e as palavras gravitassem em sua órbita, como fazem os anéis de Saturno.

Aparições nos surgem em forma de gente, de bicho, de coisa que nem é gente e nem é bicho. Podem aparecer em forma de fruta doce ou rapidamente derreter, como manteiga ao sol. Aparição é só ideia: de anjo ou demônio.

Alguns não lhe darão mínima importância, mas quando a aparição bate no peito do poeta, ele precisa compartilhar seu sentimento de susto, surpresa, privilégio ou emoção. É ele quem fará a sensação fugaz e fútil transformar-se em palavras belas que sobreviverão à eternidade.

As aparições são metafísicas: podem ser o vislumbre do amigo morto há anos atravessando a rua, podem ser a sensação de ver o polvo mover-se, depois de cozido, no arroz do prato; podem ser a sensação de ver a estrela de cinema sair da tela para sentar-se ao seu lado na plateia.

Cabe a cada um aprender a conviver com suas aparições de cada dia, interagindo com elas ou expulsando-as do pensamento com um sonoro Vade retro, Satanás! Porém o poeta, que de tão pouco pragmático tornou-se poeta, decide sempre conversar com as aparições, e depois de um diálogo que poderia parecer impossível aos demais mortais, transforma a surreal conversa em um caldo metafísico que se torna saboroso a qualquer paladar. De uma imagem qualquer, resgatada pela memória ou de algo ainda nem vivido, mas repentinamente aparecido, o poeta elabora uma sopa de letrinhas que, bem temperada, faz com que os versos alcancem neurônios de vísceras, antes de alcançarem cérebro e coração.

Aparições devem ser muito respeitadas, mas sem susto ou medo. Afinal, são apenas aparições.


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